Historicamente, o processo de
urbanização brasileiro, iniciado no século XX, se deu de forma excludente. Sob as
bandeiras da modernidade e da civilização, esse processo determinou demolições
em massa e políticas higienistas que se fizeram presentes físicamente, a partir
da destruição de habitações populares e de cortiços nas áreas urbanas centrais,
e socialmente, aumentando o número de pessoas em situação de rua. Às pessoas
pobres e suas moradias, eram associadas poluição urbana e doenças como a febre
amarela e a varíola, criando o discurso de que para melhorar as condições de
higiene e saúde nas cidades, símbolos da modernidade e do desenvolvimento, era
preciso retirar as camadas populares das áreas centrais urbanizadas, reservando
para elas as periferias urbanas, lógica de organização espacial que perdura até
os dias de hoje.
Esse discurso ideológico – tomando a conceituação
marxista de ideologia, ou seja, produção de ideias que mascaram a origem
socialmente construída das relações sociais de exclusão e dominação – dessubjetiva
e descaracteriza enquanto sujeitos de direitos os indíviduos que moram nas
ruas, entendendo-os não mais como indivíduos que possuem nome, experiências de
vida e visões de mundo particulares, mas dentro do estigma de “mendigos”. Essa
descaracterização, não raramente, legitima o uso de diversas faces da violência
contra essa parcela da população: desde a sua invisibilização perante a sociedade
até a agressão física. Como pode ser percebida através da charge, essa forma de
percepção acerca das pessoas em situação de rua dificulta inclusive o
desenvolvimento de políticas que tratem o cerne desse problema social, sendo
mais comum ações que procuram “esconder” o problema, tirando essas pessoas de
vista.
Esse tipo de ação perpetua um senso comum que
discrimina e culpabiliza o indivíduo por morar nas ruas, senso comum este que se
estende e se projeta nas ações do Estado, que consistem ou na omissão, através
de políticas sociais infímas e ineficientes, ou seja, através da invisibilização
do problema nas estruturas do Poder Público, ou na repressão dessas pessoas
quando elas se fazem presentes em determinadas áreas, removendo-as, muitas
vezes de forma violenta, dessas áreas, em nítidas ações de higienização social.
Nesse sentido, apesar de espaços como ruas, praças e shoppings serem, na
teoria, espaços públicos, empreendimentos privados como restaurantes, lojas e
condomínios se apropriam deles, impedindo a presença e a circulação de
moradores de rua, fazendo com que funcionem, na prática, como espaços privados,
destinados apenas a determinadas parcelas da sociedade.
Na sociedade contemporânea, a construção das representações sociais
associa a noção de caráter à inclusão na lógica burguesa de
organização do trabalho. Assim, a associação do morador de rua ao não-trabalho –
evidenciada no clássico “vai trabalhar, vagabundo” dirigido a essas pessoas - remete à criminalização desse grupo social, inclusive com a
legitimação para o uso da violência contra esse grupo. Partindo
dessa perspectiva de análise, percebe-se que as cidades brasileiras se fizeram
com a ostentação da seguinte mensagem: em cidades modernas não existe espaço
para a pobreza.
Não tendo a pobreza magicamente desaparecido, recolheu-se às áreas
periféricas, longe da vista dos centros econômicos. Assim, ao pensar
sociologicamente sobre esse assunto, é fundamental ir além dos lugares-comuns
repercurtidos sobre ele, compreendendo a origem histórica do tratamento
a que foram submetidas pessoas que vivem nas ruas, assim como das formas
coletivas de pensar e agir em relação a essa parcela da sociedade.
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Thais Almeida, graduanda de História e monitora do curso Pense Fora da Caixa - Filosofia e Sociologia para o ENEM
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