Decidi escrever este texto movido por uma satisfação: tive
vários estudantes que decidiram cursar História. Comparado com outros anos, foi
um recorde: Ana Elisa, Lucas Duarte, Cassandra
Alves, Thais Cavalcanti, Valeska Ferreira, Ana Bonner... não tivera, em anos
anteriores, mentes decididas a serem historiadores e historiadoras. Os campeões
sempre foram Direito, Arquitetura e jornalismo. História sempre foi a segunda
opção.
Movido por tamanha satisfação, decidi escrever um texto, uma
carta, para esses e essas pupilas que durante o ano de 2012 auxiliei na
introdução ao pensamento histórico, ao raciocínio histórico. O primeiro passo
no caminho sem volta da inquietação, da indignação e, como disse várias vezes
em minhas aulas: da DISCÓRDIA.
Comecemos:
1. a faculdade de História não é e nem será composta apenas
por seres com incrível capacidade intelectual e percepção ampla o suficiente
para relacionar situações sociais, econômicas, culturais como parte de algo
maior que é a vida humana em sociedade. Você vai encontrar poucas pessoas com
tais características e ACREDITE, serão raras. A maior parte vai crer e defender
que uma coisa não se relaciona com a outra e, talvez pior, vai tentar isolar
explicações econômicas das culturais, das ideológicas e assim sucessivamente;
2. poucos dos veteranos leram os livros que citam. Muitos afirmarão
que segundo Fulano de Tal no livro Zal, a
percepção da vida social deve considerar a flexibilidade do ato proletário nos interstícios
das relações de poder em determinada conjuntura histórica... pffff! Desconfie
desses e, se puder, leia a obra citada, pois você vai se espantar com a
quantidade de “apropriações ilegais” que são realizadas a cada fala veterana. Por
que isso acontece? Possível resposta: impressiona gatinhos e gatinhas sedentas
por “verdadeiro conhecimento histórico”;
3. o curso de
História não é composto por maconheiros inveterados, usuários de todas as
drogas psicotrópicas que existam ou que acabem de inventar; nem é o santuário
das práticas sexuais desregradas, sado-masoquistas, pansexuais; tem usuários? Tem.
Tem libertários e libertárias sexuais? Sim, sim. São todos e todas? NÃO, NÃO
MESMO. São poucos e tem muita gente recatada por lá; isso é ruim? Não, pois
garante diversidades de modos de existir – o que é muito saudável considerando
que devemos respeitar toda forma de vida, quer concordemos com sua existência
ou não;
4. estudantes de História não são revolucionári@s engajad@s
contra qualquer forma de opressão, seja ela do capital, das diversas
religiosidades; muit@s serão, inclusive, bastante passivos diante das
desigualdades que grassam pelo mundo ao redor; motivo? Com pouca certeza,
afirmo que muitos devem crer que muda-se o mundo com as ideias e, estas,
criadas por alucinógenos encadernados em livros que mal foram lidos e colocados
em prática e, pior ainda, não foram problematizados;
5. não espere que suas aulas serão marcadas por intensos
debates, por confrontos de ideias pois elas não serão – NA MAIOR PARTE DAS VEZES; poucos serão @s professores e professoras que aceitarão o benefício da
dúvida, que ouvirão com paciência suas perguntas pouco amadurecidas (pelo menos
serão no início do curso e espera-se,
pelo bem da sociedade, que essa imaturidade seja superada) e te orientarão
sugerindo leituras profícuas para te fazer pensar fora da caixa; mas nem sempre o debate deixa de acontecer por
responsabilidade de mestres, muitas vezes os textos sugeridos não são lidos
prejudicando o andamento da aula. O que nos leva para o próximo tópico:
6. LEIA! LEIA! LEIA MAIS! LEIA MUITO MAIS! LEIA SEMPRE! LEIA
HOJE, LEIA AMANHÃ, LEIA ATÉ SE VOCÊ FOR ACOMETIDO DE CEGUEIRA (você pode
aprender braile ou escutar áudio livros). Me irrito muito quando vejo estudantes
de História se queixando de terem que ler um texto de dez páginas. Dá vontade
de agir feito o capitão de determinado filme e puxar o verme subterrâneo pelos
cabelos, esfregar sua face em um compêndio e dizer: FEZ VESTIBULAR PRA HISTÓRIA
PRA QUÊ? SE NÃO AGUENTA, PRA QUE VEIO?! PEDE PRA SAIR! PEDE PRA SAIR! “MULEQUE!”
“MULEQUE ANALFABETO!”
Costumava dizer, em minhas aulas, que só a História salva...
da mediocridade, da estupidez, da ignorância. Para tanto, a leitura,
compreensão e problematização (NESSA ORDEM) são pontos fulcrais.
7. por mais que você tenha lido muito, você não leu tudo,
logo não sabe de tudo. Baixe a cabeça e... vá ler mais e debater com outras
pessoas. Certa vez ouvi alguém dizer que quando um historiador quer cometer
suicídio ele pula de cima do próprio ego. Faz muito sentido. Conheci pessoas
que leram alguns livros – e nem leram bem – e começam a olhar outr@s que não
leram aqueles livros específicos como se fossem párias;
8. não tente impor seu modo de pensar pois ele não é a
perfeita representação da realidade. Pode até ser para você, mas não para
outras pessoas; quando alguém discorda do que você pensa, essa pessoa pode,
após o “conversê”, sair com você para ir ao cinema, dançar ou conversar sobre
coisas aleatórias pois para ter amizades que concordam com tudo que eu penso,
eu prefiro prosear com meu reflexo no espelho;
Poderia continuar listando, mas nunca terminaria essa
carta/texto/conversa, então concluo pedindo a tod@s que foram meus alunos e
alunas e especialmente para @s que estudaram no meu curso e ingressarem na
faculdade de História (ou qualquer outro curso - não excluo ninguém, mas, História é sempre
melhor – no meu entender):
DISCORDE.
Se viu que não está correto, DISCORDE.
DISCÓRDIA (que tanto falo em minhas aulas) é mais que
contrariar. É uma postura, uma atitude pautada no respeito ao próximo e na ação
para mudança. No falar quando há silêncio imposto, no se preocupar se o som que
você gosta não incomoda seu vizinho, no evitar cuspir na rua sem olhar se há
alguém que possa ser atingido.
DISCORDAR é remar contra a maré das homogeneizações, das
intolerâncias religiosas, das intolerâncias ateias, das criminalizações, das naturalizações
do que não natural.
DISCORDAR é PENSAR FORA DA CAIXA e isso nenhum curso, nenhum
professor vai te dar. Você tem que se forjar no cotidiano, sabendo que nem
sempre – e essa é a maior parte – sua ação vai ter resultado imediato, sua fala
vai ser compreendida.
DISCORDAR é PENSAR FORA DA CAIXA e TER HISTÓRIA NA CABEÇA
pode ajudar.
Conseguir isso é ser mais que Historiadores e Historiadoras,
é se tornar HISTORIADEUSES E HISTORIADEUSAS.
Bom curso e que Clio esteja com vocês .