Eis um tema polemico. Estética e politicamente.
As recentes notícias acerca
de discriminações ligadas ao cabelo estilo black power chamam atenção pela
violência com que atingem os mais indefesos: as crianças e jovens. Quando uso o
termo indefeso entenda no sentido de maior dificuldade de reação perante
atitudes que atingem diretamente uma parte de seu corpo que nasceu com essa
criança, que nasceu com essxs jovens.
A partir dos acontecimentos e suas repercussões, vale pensar
acerca de alguns pontos:
1. NÃO COMEÇOU A
ACONTECER AGORA. Essas discriminações acontecem há décadas no Brasil e
noutros locais que tenham população afrodescendente. O que está acontecendo
agora é a denúncia, é a exposição desses casos na mídia. Pode-se concluir, a
partir daí, que as famílias dessas crianças estão um pouco mais conscientes da
violência que é “solicitar” que seus filhos e filhas cortem ou alisem seus
cabelos, pois não estão dentro do padrão veiculado, porque geram “distração”,
mas que é imposto pela ideologia dominante;
2. NÃO, NÓS NEGROS
NÃO SOMOS RACISTAS CONOSCO. Presente em qualquer situação que envolva
denúncia de racismo, a afirmação que somos racistas conosco é carregada de
discurso que culpabiliza a vítima pelo crime que sofreu.
Pense na seguinte situação: desde a mais tenra idade você
escuta que ter a pele clara é sinônimo de incompetência, de desastre, de muitas
coisas ruins. Você vai querer ser parte do que a sociedade considera escória? O
motivo das piadas pela clareza de sua pele ou pelo alisado de seu cabelo? Provavelmente
não, pois não queremos ser relacionados a coisas ruins.
Se você entendeu o que está escrito acima, faça o seguinte
exercício: substitua a pele clara pela negra e você vai compreender as razões
de comentários racistas oriundos de negrxs contra negrxs e, POR FAVOR, PARE DE NOS
CULPAR POR UM RACISMO QUE NOS FOI INCUTIDO DESDE A INFÂNCIA PELOS GRUPOS QUE
CRIAM E MANTEM A IDEOLOGIA RACISTA EM NOSSA SOCIEDADE;
3. NÃO É A CRIANÇA
QUE TEM QUE CORTAR O CABELO, SÃO XS PROFESSORXS e COLEGXS QUE TÊM QUE CORTAR O
PRECONCEITO. No caso da estudante estadunidense foi solicitado que ela
cortasse o cabelo, pois estava sendo uma “distração” para xs colegas da classe.
Interessante salientar que a solicitação foi feita após a mãe da jovem ter
reclamado das agressões verbais que a filha estava sofrendo devido ao estilo
capilar.
Acompanhe o raciocínio:
Então, as outras crianças agridem verbalmente minha filha
pelo cabelo dela, eu, enquanto pai, vou cobrar atitude da escola (instituição que,
em teoria, deveria educar) e a solução é cortar o cabelo da minha filha ao
invés de educar xs colegxs de classe para que respeitem a colega delxs?
Ampliemos o raciocínio:
a. Se temos idosxs sendo atropelados ao atravessarem a rua,
proibamos xs idosxs de atravessá-la ao invés de colocarmos uma faixa de pedestres
ou um semáforo;
b. se tenho meu telefone roubado enquanto falo com alguém, a
culpa é minha: quem mandou usar o telefone comprado com o suor de meu trabalho
em um mundo marcado pela violência. É o pensamento de muita gente ao invés de
pensar no modelo de produção de bens e ampliador da desigualdade social além de
incentivador de consumo de produtos que muitos não podem adquirir;
c. uma criança é atraída por um pedófilo e por ele é
atacada. Vamos proibir as crianças de brincarem nas praças, praias, parques ou
mesmo de usarem computadores ao invés de elaborarmos ações contra a pedofilia e
mesmo revermos a sensualização infantil precoce que toma conta de programas de
TV, comerciais, telenovelas, filmes, canções;
Se você achou esses raciocínios acima exagerados, é
exatamente esse exagero que está sendo aplicado no caso dessas crianças e
jovens com cabelo black power. “Solicita-se” que elas cortem/alisem o cabelo ao
invés de educar para a diferença e para o combate a desigualdade.
Mais do que isso: para elas é passada a responsabilidade por
uma situação de preconceito e racismo que se quer fazer passar como “regras da
escola para evitar a distração”. Analisando pelo viés do processo histórico da
sociedade brasileira, é parte do “jeitinho brasileiro” aplicado às questões
étnicas: não digo que foi racismo, mas envergo o olhar para o discriminado e o
faço crer que ele é o responsável pela visão enviesada que eu tenho dele.
No momento em que esses acontecimentos aparecem com mais frequência
nas mídias, deve-se alegrar e indignar ao mesmo tempo, pois é uma prova de que
não se aceitam mais as repressões em silêncio e se indignar por elas ainda
acontecerem.
Mais do que alegrar e indignar, devemos, TODXS agir contra
discriminações de qualquer natureza, etnia, tipo capilar. Não é fácil, mas é
simples: começa não acatando em silêncio.
Pense FORA DA CAIXA.
Tenha HISTÓRIA NA CABEÇA.